segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Ecopedagogia e Educação Sustentável

"De tudo ficaram três coisas: a certeza de que estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar.
Fazer da interrupção um caminho novo, fazer da queda, um passo de dança, do medo, uma escada, um sonho, uma ponte, da procura, um encontro."

Fernando Pessoa

Até agora, tentamos mostrar, de um lado, as categorias que pode nos ajudar hoje, na leitura do mundo da educação, do futuro e , de outro, o movimento sócio-histórico, no qual a ecopedagogia surgiu. O movimento ecológico e o da Carta da Terra fazem parte dele. Esperamos que tenham ficado claras, pelo menos duas categorias de pedagogia da Terra: planetaridade e sustentabilidade . O referencial teórico prático da ecopedagogia, porém é mais amplo. Como demonstra Francisco Gutiérrez e Cruz Prado, há um novo paradigma em gestação, no qual se inspira a ecopedagogia. Segundo Leonardo Boff (1999), existem dois modos de ser-no-mundo : o trabalho pelo qual modelamos e intervimos no mundo, e o cuidado, pelo qual nos sentimos responsável por ele. O cuidado exige ternura, carinho, afeto, compaixão e renúncia ao seu domínio, e "serve de crítica à nossa civilização agonizante e também de princípio inspirador de um novo paradigma de convivialidade" (Boff, 1999, p.13). Eles não são modos de ser antagônicos. Eles são complementares e podem constituir-se na base de sustentação da ecopedagogia entre outros. Essa travessia de milênio caracteriza-se por um enorme avanço tecnológico e também por uma enorme imaturidade política: enquanto a Internet nos coloca no centro da era da informação, o governo humano continua muito pobre, gerando misérias e deterioração. Podemos destruir toda a vida do planeta. Quinhentas empresas transacionais controlam 25% da atividade econômica mundial e 80% das inovações tecnológicas. A globalização econômica capitalista enfraqueceu os Estados nacionais, impondo limites para sua autonomia, sobordinando-os à lógica econômica das transnacionais. Gigantescas dívidas externas governam países e impedem a plantação de políticas sociais equalizadoras. As empresas transnacionais trabalham para 10% da população mundial, que se situa nos países mais ricos, gerando uma tremenda exclusão. Esse é o cenário da travessia, um cenário ainda mais problemático pela falta de alternativas. Os paradigmas clássicos estão se esgotando. Não conseguem explicar essa travessia, muito menos passar por ela. Há uma crise inteligibilidade, diante da qual muitos falsos profetas e charlatões oferecem soluções mágicas. Uma nova espiritualidade surge muito bem aproveitada pelas merco-religiões. A resposta dada pelo estatismo socialista burocrático e autoritário é tão ineficiente quanto o neoliberalismo do deus mercado é injusto e, como diz Ladislau Dowbor (1998, p.11), não correspondem "às novas exigências de regulação social". O neoliberalismo propõe mais poder para as transnacionais e a esquerda estadista, para o Estado, reforçando as suas estruturas. No meio de tudo isso está o cidadão comum, que não é nem empresário nem Estado. A resposta parece estar além desses dois modelos clássicos: fortalecer o controle cidadão diante do Estado e do mercado e a capacidade de a sociedade governar-se e controlar o seu desenvolvimento. Aqui entra o papel importante da educação, da formação para a cidadania ativa. Terão desaparecido as utopias de libertação dos anos 60? Alguns sustentam hoje que precisamos retomá-las . Elas fracassaram justamente porque estavam certas: a modernidade que elas denunciavam sufocou a subjetividade (socialismo real) e o seu fracasso prova a necessidade de continuar o mesmo combate por um mundo justo, produtivo, num ambiente sustentável. Os anos 60 não teriam terminado e o novo paradigma não seria tão novo. Boaventura de Souza Santos, em seu livro Pela mão de Alice, nos propõe uma saída: a "democracia ecossocialista". Para ele, no final do século, a única utopia possível era a utopia ecológica e democrática justamente porque chegamos ao limite entre um ecossistema finito e uma acumulação capitalista tendenciosamente infinita. "O paradigma capital expancionista [grifo do autor] é o paradigma dominante e tem as seguintes características gerais: o desenvolvimento social é medido essencialmente pelo crescimento econômico; o crescimento econômico é contínuo e assenta na industrialização e no desenvolvimento tecnológico virtualmente infinitos; é total a descontinuidade entre a natureza e a sociedade, [...] a produção que garante a continuidade da transformação social proposto por Marx partilha as três primeiras características, pelo que se pode considerar um modelo subparadigmático, situado na zona cinzenta, intermediária. O paradigma ecosocialista [grifo do autor] é o paradigma emergente e, tal como eu o concebo, tem as seguintes características: desenvolvimento social afere-se pelo modo como são satisfeitas as necessidades humanas fundamentais e é tanto maior, a nível global, quanto mais diverso e menos desigual; a natureza é a Segunda natureza da sociedade, e como tal, sem se confundir com ela, tampouco lhe é descontínua; deve haver um estrito equilíbrio entre três formas principais de propriedade: a individual, a comunitária e a estatal [...] (SANTOS, 1995, p. 336). Boaventura de Souza Santos afirma que o paradigma ecosocialista assenta em tradições muito variadas como o socialismo utópico e o marxismo, bem como em tradições não européias como as culturas hindus, chinesas e africanas, a cultura islâmica e as culturas dos povos nativos americanos. Reunidos em Cuiabá (MT), no início de dezembro de 1998, delegados de todos os países da América Latina iniciaram o processo de sistematização da Carta da Terra Latino-Americana, lançando uma minuta de referência na qual afirmam que a "ética impulsará a integração das dimensões social, econômica, política, ambiental e cultural, como fundamentos do desenvolvimento sustentável". Os signatários desse documento comprometem-se a guiar sua vidas pelos seguintes princípios:
1- Respeito: A terra, a vida, a espiritualidade e a diversidade cultural.
2- Solidariedade: Traduzida em práticas de apoio, cooperação, comunicação e diálogo.
3- Igualdade: Para a eliminação das desigualdades por meio da democratização de oportunidades, a satisfação das necessidades humanas de gerações presentes e futuras e a superação de todo o tipo de discriminação.
4- Justiça: Para afirmar os direitos e deveres da humanidade e toda a sua diversidade.
5- Participação: Para fortalecer a democracia, garantir a governabilidade, facilitando ao autodeterminação ao tomar decisões.
6- Paz e segurança: Não unicamente com a ausência de violência, se não com o equilíbrio das relações humanas e também com a natureza.
7- Honestidade: Como base para afiançar a transparência e confiança.
8- Conservação: Para garantir a existência de vida e da Terra e a preservação do patrimônio natural, cultural e histórico.
9- Precauções: Com a obrigação de prever e tomar decisões com base no curso de ação que cause menos danos e menor impacto.
10- Amor: Como fundamento para uma relação harmoniosa e afetiva que fomente o compromisso e a responsabilidade com a ação. Esse é um exemplo do processo da Carta da Terra, que está gerando novas atitudes e comportamentos como resultado de um movimento que ultrapassa a educação formal e que, aos poucos, vai constituindo essa necessária cultura de sustentabilidade. A prática e a cultura político-ecológica estão consagrando um novo paradigma e servindo de quadro teórico também para a pedagogia da Terra. Outros valores e compromissos vão se construindo, no processo, por um planeta e uma vida mais sustentável, levados à frente pelo movimento ecológico, tais como (KRANZ, 1995, p. 35-9):
1- Prevenção : É mais barato prevenir a degradação do que consertar o estrago.
2- Precaução: Avaliar as conseqüências, o impacto ambiental de uma ação.
3- Cooperação de todos no planejamento e na implementação de ações ambientais (participação).
4- Compromisso com a melhoria contínua, dentro do ecossistema.
5- Responsabilidade: Os governos locais são responsáveis perante as comunidades que servem.
6- Transparência e democracia: A comunidade deve ter o controle. Podemos dizer que há uma comunidade sustentável que vive em harmonia com o seu meio ambiente, não causando danos a outras comunidades, nem para as de hoje, e nem para as de amanhã. E isso não de pode constituir apenas num compromisso ecológico, mas ético-político, alimentado por uma pedagogia, isto é, por uma ciência da educação e uma prática social definida. Nesse sentido, a ecopedagogia, inserida nesse movimento sócio-histórico, formando cidadãos capazes de escolherem os indicadores de qualidade do seu futuro, se constitui numa pedagogia inteiramente nova e intensamente democrática.
Onde buscar um referencial teórico para a pedagogia da Terra?
Quais são os seus fundamentos?
As referências dessa pedagogia são ainda imprecisas e bebem em diversas fontes.
Paulo Freire é uma dessas fontes. Ele pode ser considerado um dos inspiradores da ecopedagogia com o seu método de aprendizagem a partir do cotidiano. São princípios fundamentais da pedagogia freireana:
1- Partir nas necessidades dos alunos (curiosidade).
2- Relação dialógica professor-aluno.
3- Educação como produção e não como transmissão e acumulação de conhecimentos.
4- Educação para a liberdade (escola cidadã e pedagogia de autonomia).

Esses princípios estão presentes nos primeiros escritos sobre ecopedagogia. Algumas das instituições originais de Paulo Freire, de ontem, parecem inspirar a ecopedagogia de hoje:
1- A ênfase nas condições gnosiológicas da prática educativa.
2- A defesa da educação como um ato de diálogo no descobrimento rigoroso, porém, sua vez, imaginativo, da razão de ser das coisas.
3- A noção de uma ciência aberta às necessidades populares.
4- Um planejamento comunitário e participativo. Como afirma Ladislau Dowbor no prefácio do livro À sombra desta mangueira, Paulo Freire, num universo de tantas inovações tecnológicas, nos chama a atenção para a sombra da mangueira , o ar puro, a água limpa, a rua para passear e brincar, a fruta tirada do pé, pisar na grama descalço...

O capitalismo tem necessidade de substituir essas felicidades gratuitas por felicidades vendidas e compradas. Paulo Freire reclama a volta a essas felicidades, a volta ao ser humano completo, com os cheiros, os sabores da mangueira, da vida completa, cheia de emoções e de solidariedade. Do que vimos até agora podemos afirmar que são princípios da ecopedagogia, d uma pedagogia da terra:
1- O planeta com uma única comunidade.
2- A Terra como mãe, organismo vivo e em evolução.
3- Uma nova consciência que sabe o que é sustentável, apropriado, faz sentido para a nossa existência.
4- A ternura para com essa casa. Nosso endereço é a Terra.
5- A justiça sociocósmica: a Terra é um grande pobre, o maior de todos os pobres.
6- Uma pedagogia biófila (que promove a vida): envolver-se, comunicar-se compartilhar, problemizar, relacionar-se, entusiasmar-se.
7- Uma concepção do conhecimento que admite só ser integral quando compartilhado.
8- O caminhar com sentido (vida cotidiana) .
9- Uma racionalidade intuitiva e comunicativa: afetiva, não instrumental.
10- Novas atitudes: reeducar o olhar, o coração.
11- Cultura da sustentabilidade: ecoformação. Ampliar nosso ponto de vista. As pedagogias clássicas eram antropocêntricas. A ecopedagogia parte de uma consciência planetária (gêneros, espécies, reinos, educação formal, informal e nào formal). Ampliamos o nosso ponto de vista. Do homem para o planeta, acima de gêneros, espécies e reinos. De uma visão antropocêntrica para uma consciência planetária, para uma prática de cidadania planetária e para uma nova referência ética e social: a civilização planetária. Vivemos numa época de transição paradigmática da sociedade e da escola. A chamada "esquerda" está em crise de busca, dentro de suas convicções, de um novo quadro teórico, que supere o dilúvio neo-liberal atual. Isso significa que devemos abandonar os nossos sonhos de igualdade e justiça e decretar o fim da história? Não. Ao contrário, nesse contexto de crise pardigmática, precisamos fazer valer as nossas utopias de sempre, como o espaço público não estatal, criado por iniciativas, entre outras, como a do orçamento principativo da Prefeitura Municipal de Porto Alegre. A descentralização, a autonomia e a participação também são aceitas pelos neoliberais. Porém eles as utilizam com outra lógica de poder. Nós a utilizamos na construção da contra-hegemonia neo-liberal. Os referenciais devem ser buscados tanto na teoria como nas práticas concretas de um novo paradigma que é ao mesmo tempo filosófico e sócio-histórico. As relações entre Estado e sociedade estão evoluindo no sentido indicado por Habermas no que se chama de "paradigma da ação comunicativa" e que Paulo Freire chama de "paradigma da ação dialógica". A parceria entre Estado e movimentos sociais populares, como a que foi realizada pela Prefeitura Municipal de São Paulo (1989-92) com o Programa Mova-SP (Movimento de Alfabetização da Cidade de São Paulo), é uma demonstração disso (GADOTTI, 1996). O paradigma do conflito (Marx) que orientava nossa ação durante o capitalismo concorrencial parece menos eficaz hoje, no contexto do capitalismo monopolista e globalizado, do que o paradigma da ação comunicativa (Habermas). Talvez precisemos articular ambos, já que a crise não apenas de paradigmas, mas da própria noção de paradigma como uma visão totalizadora do mundo. Afirmar a necessidade de ação comunicativa não significa que negamos a existência dos conflitos de classe. Eles continuam existindo enquanto houver classes sociais. Apenas que a participação citadina, diante das tradições estatistas, centralizadoras, patrimoniais e dos padrões de relação clientelistas, meritocráticos, no Estado moderno, tornou-se um instrumento mais eficaz para reforçar os laços de solidariedade e criar a contra-hegemonia, do que nossas antigas estratégias de fortalecimento burocrático do Estado. Entre o Estado mínimo e o Estado máximo, existe o Estado "necessário", como costuma dizer o nosso colega do Instituto Paulo Freire, o cientista-político José Eustáquio Romão. O Estado pode e deve fazer muito mais do que se refere à educação ambiental. Mas, sem a participação da sociedade e uma formação comunitária para a cidadania ambiental, a ação do Estado será muito limitada. Cada vez mais, neste campo, a participação e a iniciativa das pessoas e da sociedade é decisiva. Não se pode dizer que a ecopedagogia representa já uma tendência concreta e notável na prática da educação brasileira. Se ela já tivesse suas categorias definidas e elaboradas, ela estaria totalmente equivocada, pois uma perspectiva pedagógica não pode nascer de um discurso elaborado é que nasce de uma prática concreta , testada e comprovada. Assim, o que podemos fazer no momento é apenas apontar algumas pistas, algumas experiências, realizadas ou em andamento, que indicam uma certa direção a seguir. E esperar que os pesquisadores atentem para essa realidade, investiguem-ma, possam compreendê-la com mais profundidade e elaborar a sua teoria.

PROJETOS
Além dos exemplos apontado acima, gostaria de mencionar mais dois: o trabalho desenvolvido no município de Diadema (São Paulo) e o realizado pela Creche Oeste da Universidade de São Paulo. São exemplos singelos entre centenas de outros semelhantes que poderíamos citar. O projeto Uma fruta no quintal , da prefeitura Municipal de Diadema, distribui aos alunos de escolas de ensino fundamental , sementes gratuitas de árvores frutíferas, proliferando mais verde na cidade e conscientizando as crianças sobre a importância das árvores e a necessidade de melhorar o meio ambiente. Toda uma programação que envolve teatro, discussão nas escolas, festividades, danças, etc. envolve a implantação do projeto, visando a formação da consciência ecológica. As mães de alunos são convocadas para cursos de reaproveitamento de alimentos, recebendo uma cartilha e aprendendo a reutilizar sobras, cascas de alimentos e utilizar as frutas da época. É um exemplo, entre tantos que poderiam ser citados, da importância da escola e do papel do Estado na educação ambiental. "É urgente que os processos educativos sejam mais abrangentes e essenciais cuidando prioritariamente da implantação da consciência humana, possibilitando a percepção profunda de nossa condição de guardiães da vida na Terra. A consciência ecológica emergirá espontaneamente quando o sentido da universidade for tocada, ou seja, quando cada criatura sentir-se verdadeiramente vinculada a todas as formas de vida e aos mistérios da existência [...] A criança traz em si o forte vínculo com a natureza e está espontaneamente aberta para tornar-se aprendiz de seus ensinamentos, basta que seja orientada para isso. A infância é um terreno fértil para desenvolver o aprendizado da harmonia entre as diversas formas de vida na Terra"(Izenildes Lima, Coordenadora da Ações educativas da Fundação Terra Mirim, in IPF, 1999, p.19). A Creche Oeste da USP atende filhos de funcionários, de docentes e de alunos com idade de 4 meses e 7 anos. Com restos d comida que sobram das refeições das crianças, esta creche criou uma composteira (projeto USP recicla). Os restos orgânicos correspondem a 90% dos resíduos da creche. Todos os integrantes desta creche estão envolvidos neste processo de transformação de algo que era desprezado , "jogado fora", em algo que fortalece e condiciona o solo. Crianças e adultos participam de todas as etapas do processo de compostagem, desde a separação dos resíduos orgâncicos até o ensacamento do composto já pronto e com cheiro de terra. Assim , refletem sobre o desperdício, sobre a reutilização de algo que era desprezado, vivenciam valores e sentimentos de cooperação e efetivamente preservam e melhoram o meio ambiente. O filósofo francês Michel Maffesoli (1976) nos falar de poder e potência, indicando pela primeira, o exercício da dominação político-econômica, e pela Segunda, a resistência pela sociedade civil que se manifesta positivamente pela participação. Exemplo como os citados acima, brevemente descritos, nos mostra um movimento vivo e que parece representar muito bem essa potência. Eis um outro exemplo singelo e diferente dessa potência, nascido de uma consciência planetária. Na semana de 5 de junho de 1996, Dia Mundial do Meio Ambiente, foi distribuído um cartão-postal dos professores e estudantes, de Itabirito (MG), com os seguintes dizeres: Rio São Bartolomeu Bartolomeu foi o nome de batismo, era belo e límpido, junto de ti brincavam as crianças, bebia a criação, lavavam as mães as roupas. Cresceu e tornou-se São Bartolomeu. Andei nas suas margens e em suas águas. Vi turvos os nossos olhos, malcheirosos os nossos lixos, estúpidas as nossas atitudes. És o reflexo de nós mesmos. Esta é a sua singularidade - refletir o que está
Poesia também é luta! Muitos são os meios e espaços possíveis para construção de um planeta saudável. Nós os encontraremos mais facilmente se tivermos consciência ecológica. Todos os espaços são válidos para isso. Qualquer lugar do planeta, porque, como diz Fernando Pessoa... "Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no universo [...] por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer. Porque eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura". As experiências surgidas em muitos lugares e que indicam o aparecimento de um novo movimento - por uma ecoeducação - caracterizam-se pele espontaneidade e pela diversidade.
Veja se ainda o caso da "escola da terra" da fundação Peirópolis, dedicada à "promover a agricultura e pecuária do futuro", adequando a sua proposta de "valores humanos" às atividades rurais e levando modernos conhecimentos ao jovem do campo, orientados pelos princípios do ecodesenvolvimento. Ela ajuda a construir uma base sólida, transformadora e humana nas comunidades rurais. A escola da terra tem sua primeira unidade em Peirópolis (Uberaba, MG) e outras em diferentes partes do país. Escolhendo tecnologias centradas na manutenção da vida, a escola da terra tem cursos programados em módulos de uma semana, recebendo os participantes em regime de imersão, internato e semi-internato. Os alunos ficam hospedados num ambiente acolhedor, com comida farta e saudável, numa convivência que promove a integração, a articulação de idéias, a troca de exepriência e a criação de projetos. Em julho de 1999, com base na obra de Francisco Gutiérrez e na consulta de vários membros no Instituto Paulo Freire, elaborei uma primeira minuta de referências da carta de ecopedagogia. Essa primeira versão agradou muito a Francisco Gutiérrez. Ela foi submetida aos primeiros inscritos do primeiro encontro internacional da Carta da Terra na perspectiva de educação organizado pelo Instituto Paulo Freire com apoio do Conselho da Terra e da UNESCO (São Paulo, 23 a 26 de agosto de 1999). Dessa consulta em inicial, saiu uma nova versão. Os participantes do encontro internacional durante 3 dias, debateram essa nova versão da carta, fizeram muitas sugestões, e criaram um movimento pela ecopedagogia, indicando o Instituto Paulo Freire, para secretariá-lo. A minuta da carta da ecopedagogia, por indicação dos participantes daquele encontro, continuam como um documento aberto, um instrumento de trabalho para a construção de uma pedagogia da terra. Para dar prosseguimento ao debate, incluo-a neste texto como leitura no final do capítulo. Nesse encontro internacional, além dos debates teóricos, muitas experiências foram discutidas. Destaco aqui algumas delas, na expressão de seu expositores (IPF, 1999). Essa listagem mostra que o movimento pela ecopedagogia está nascendo forte, enraizando em práticas concretas.
O projeto Formação para a Cidadania Ativa, do Pacs, vem formando agentes de desenvolvimento local como moradores/trabalhadores do bairro da taquara, em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio de Janeiro, desde 1996, articulando três eixos: geração de renda, educação e comunicação e articulação local.
O projeto planeta azul, da zona oeste da cidade de São Paulo busca semear idéias, implementar e implantar propostas, compartilhar experiências voltadas para a relação do homem com a sua morada, o planeta Terra. Concretamente isto se dá por parcerias com órgãos governamentais, como secretarias de meio ambiente, coordenadorias, delegacias de ensino, movimentos populares, visitas constantes às escolas públicas estaduais, municipais, particulares [...], refletindo temas como recursos naturais, coleta seletiva e reciclagem, poluição, desmatamento, violência, consciência corporal, animais em extinção, consumismo e valores éticos [...] numa perspectiva transdisciplinar , formando a consciência ecológica e planetária. O projeto Escuela Verde do centro El Canelo de Nos, em San Bernardo (Chile), desenvolve um curso anual para jovens, capacitando-os como agentes da sociedade civil para que possam enfrentar problemas ambientais localmente, isto é, nas comunidades em que residem. Seu diretor Roberto Orozco Canelo, considera que "a ecopedagogia se constitui numa ferramenta fundamental que pode favorecer a mudança de atitude e de conduta das novas gerações, em relação à base de um desenvolvimento harmônico que esteja em concordância com a perdurabilidade da vida em nosso planeta" (IPF, 1999, p.11).
A Organização Brhama Cubaris de São Paulo possui um projeto chamado Vivendo valores na educação, dirigido principalmente para a escola de educação básica, com o objetivo de conscientizar a comunidade escolar sobre a importância de refletir e praticar os valores humanos na vida diária, dentro e fora da sala de aula, e gerar um ambiente sadio na escola com reflexos na vida familiar. Esses valores são: paz, liberdade, amor, união, honestidade e respeito. O programa de educação ambiental da Associação Projeto Roda Viva, do Ri ode Janeiro, desenvolve uma metodologia de monitoramento da qualidade da água do parque estadual da Pedra Branca (RJ) em parceria com uma entidade canadense. O monitoramento representa a utilização de um instrumento educacional, comum aos dois países, capaz de estimular a investigação científica, pelo conhecimento da qualidade da água, e produzir uma série de dados comparáveis entre si, possivelmente de utilidade internacional. Com intercâmbio de experiências, métodos de valores sociais e culturais, este projeto traz na sua concepção o forte intuito de promover uma rede de pessoas de organizações interessadas em, partindo de uma ação local concreta, estabelecer conexões que permitem a elevação da consciência ambiental. A Sociedade para a Defesa do Meio Ambiente de Piracicaba (Sodemap), no estado de São Paulo, vem desenvolvendo projetos de educação ambiental junto à escolas de educação infantil, principalmente da periferia, sob a forma de experiências lúdicas expressas em linguagem oral, escrita, corporal, musical e plástica, aproximando educação ambiental e educação infantil. Esses projetos constituem-se em expressão coletiva, cultural e festiva, de defesa de uma base ética de cuidados com a natureza, e as pessoas e da difusão de ações para garantir a proteção e o desenvolvimento da criança.
O projeto Tom da Mata, programa a educação ambiental do canal futura de televisão, estimula o desenvolvimento de atividades de proteção ao meio ambiente, em especial da mata Atlântica - e educação musical, utilizando diferentes materiais educativos, métodos e inovações pedagógicas. A obra do maestro Tom Jobim, e seu interesse pela mata Atlântica são a base do projeto. Além da programação disponível a todos, os educadores de 400 escolas que integram o projeto recebem capacitação e material de apoio técnico e pedagógico para o desenvolvimento das ações na escola e comunidade.
O projeto ecologia interativa é desenvolvida a 7 anos pela fundação Terra Mirim, de Salvador (BA), resultante de sua vivência e convívio comunitário. A fundação considera que a natureza externa ao ser humano e a cultura surgida a partir da ação do homem sobre ela, tem correspondência com a natureza íntima, de cada ser, e que a cura do planeta passa necessariamente pela cura do homem em todos os níveis, seu corpo físico (Terra) ,seu corpo emocional (água), seu corpo mental (ar) e seu corpo espiritual (fôlego).
O projeto Escola Bosque, do Centro de Referência e Educação Ambiental do Amapá, promove alterações substanciais na rede formal de ensino, da educação infantil ao ensino médio, ao criar o método sócio-ambiental para o ensino de disciplinas comuns e que, por força de exigência constitucional, formam a grande curricular de escolas bosques, acrescida de matérias tais como biologia, botânica, zoologia e línguas (francês, inglês e espanhol) para formação de um sistema de ensino que complete a visão harmônica e didática do homem e da natureza). A rede mulher de educação têm uma longa tradição de trabalho com a educação popular ambiental, articulando profissionais universitários e de ONGs em trabalho conjunto com escolas, principalmente de periferias de áreas de mananciais. Como relata Maria Ruth Takahashi ( IPF, 1999, p.33) , "neste processo, a educação ambiental têm sido de extrema importância para o envolvimento da população na construção de alternativas para os conflitos de uso e ocupação do solo, para o desenvolvimento e implantação de projetos de regeneração, em fim, na preservação da qualidade ambiental e para melhoria para a qualidade da vida [...] .A intenção maior deste proposta é de resgatar experiências, reforçar iniciativas, possibilitar trocas, e criar um espaço regional de articulação ao mesmo tempo que se reveja as práticas educacionais tradicionais e se rediscuta o papel da escola. No caso específico das áreas de mananciais, é imprescindível que se entenda problemas como o do lixo, do esgotamento de águas servidas, e de desbarrancamentos, e as propostas de políticas públicas". Como se vê, a quase totalidade dos exemplos acima citados, provém da área de educação ambiental .
O movimento pela ecopedagogia encontra nessas práticas alimento para sua trajetória de consolidação de um novo paradigma educacional. Ao mesmo tempo, essas práticas ganham uma dimensão maior, ultrapassando a dimensão ambientalista e local, compreendidas dentro de uma visão mais totalizadora do mundo. Esse encontro de projetos e vivências de educação ambiental, com a reflexão teórica, mas geral, foi um dos pontos mais positivos do Primeiro Encontro Internacional sobre a Carta da Terra na Perspectiva da Educação, realizada em São Paulo , em 1999. Não há prática sem reflexo sobre a prática e não há teoria educacional válida sem referência a uma prática. A pedagogia da terra só se consolidará pela reflexão sobre essas práticas, um movimento histórico-social associado a uma nova corrente de pensamento, fundada na ética, numa política do humano, numa visão sustentável da educação e da sociedade. O movimento pela ecopedagogia está apenas dando os primeiros passos, mas já está fazendo história.

Partes do texto de Moacir Gadotti: A Pedagogia da Terra: Ecopedagogia e educação sustentável

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